Progredindo

Original:https://medium.com/@gustavoivo/progredindo-d372a9454536#.dx7m5bwti

Por Gustavo Ivo

Parkour não é algo tangível. Não é uma matéria ou objeto que você possa tocar e apresentar: “olha, isso aqui é parkour.”

Parkour é empírico e sem uma padronização específica. É uma prática física, dinâmica e subjetiva que se manifesta através de cada pequeno/a tracer ou traceuse. É físico, e através do físico, expressa-se uma ideia, um ideal, uma vontade, uma mentalidade (como dizia Steph Vigroux). O que agregamos e levamos adiante está nessa mentalidade, em como e o quanto mudamos, no que nos tornamos como pessoas e não só puladores de muro. É nesse intangível que descobrimos o parkour. O essencial, afinal, é invisível aos olhos.

Isso não significa que não existam características (fisicas, históricas, morais) no parkour, muito pelo contrário; mas o que quero dizer é que uma visão definitiva, concreta sobre o que define ou não parkour, é mais um problema do que uma solução.

Definir é limitar. Em uma prática que, de várias formas, é transgressora, revolucionária no sentido de uso do corpo, da cidade, da cooperatividade, do ambiente em que os praticantes convivem, e das relações que surgem daí; chegar a um ponto definitivo é reduzir seu potencial e quase querer ir contra sua essência. A essência do parkour está na mudança, no descobrir, na adaptação, no libertar. Moldá-lo a determinada função seria sufocar esse aspecto inerente de provocar, mudar. E aí entra meu pé atrás com a padronização, esportivização e outros aspectos mais institucionais com a prática e as possíveis consequências, mas aí já é outro debate.

Pessoalmente, acredito muito que o parkour está em permitir nossas vontades ou necessidades motoras, corpóreas, funcionais. Esse ímpeto de querer se movimentar, realizar algo. De encarar os bloqueios psicológicos, morais, sociais que são impostos indiretamente e nos permitir saltar, subir, descer, correr. E essa vontade pode vir de variadas formas a depender da pessoa, e isso gera um enorme potencial pra desenvolvimento de atividades, percursos, aprimoramentos. Daí acredito ser limitante pensar em termos apenas utilitários, ou cair numa discussão superficial sobre giros, free running com parâmetros limitados e filosofias vazias.

É importante e saudável pra comunidade que tenhamos essa abertura ao perceber diferentes abordagens e visões. É nesse conflito, nessa dinâmica, que podemos conhecer novas formas de movimentação, de locais, de pensamentos e tendências que construímos nossa própria identidade dentro da prática, isso é criar o próprio percurso. E é nisso que permitimos que o parkour possa progredir.

E nesse processo, ano após ano, o parkour se transforma. O parkour desse ano já não é o de 2015, já não é aquele lá de 2004 quando alguns de nós arriscamos dar uns pulos por aí. Aprendemos muitas coisas de lá pra cá, viajamos, pesquisamos, erramos…mudamos. Amadurecemos.

Falamos e vivenciamos sobre utilidade, esporte, cultura, expressão, eficiência, valores e princípios, cidade, arte,competições, legalidade, educação, etc…Levamos a atividade para a universidade, escolas, centros de cultura, esportes, comunidades carentes. Foram alguns anos bem movimentados.

Hoje podemos pensar e treinar parkour de várias formas, com algumas visões mais claras, uma galera que se identifica mais com uma vibe do que outra, gente que permuta entre todas; e é fantástica essa diversidade e possibilidades. E isso se deve a toda essa dinâmica, discussões, entrevistas, oficinas, encontros que fizemos todos esses anos e que acontece cotidianamente.

Entretanto é importante mantermo-nos próximos do que fez parte desse processo de mudança. Inclusive da defesa ferrenha de ser contra competições, contra aulas pagas, contra mega eventos, contra espectaculorização; e do porquê existe essa questão do “ser forte” ; “ser e durar”, yamakasi “corpo forte, mente forte, espírito forte”, do porquê “o espírito ainda existe?”. É importante sair dos determinismos, mas eu acredito que se um praticante ver uma pessoa carregando a outra, fazer agachamentos com ela e depois quadrupedais, e não entender o que aquilo tem a ver com parkour, então não estamos caminhando muito bem.

Entender o método natural, raymond belle, david, foucan, chau e os outrosyamak, as gerações com os irmãos vigroux, o material de julie angels, pegar a galera monstra das antigas daqui do país, buscar saber como eram os treinos…tudo isso é importante pra nosso amadurecimento. Vocês deixaram um legado, nós deixamos um legado.

A mudança é essencial, o nocivo é esquecer um legado. A transformação acontece de forma mais saudável quando ela é consciente, capaz de perceber os diferentes discursos, a história, balancear, e se desenvolver a partir disso. O problema é quando essas posturas se perdem, diluem, são invisibilizadas. E aí você não tem uma mudança que vem do amadurecimento, que agrega valores positivos, que contribui, que torna acessível, você tem uma distorção de visões, uma reapropriação cultural, uma objetificação, um produto pra indústria do entretenimento, do marketing e do esporte, que muitas vezes pode representar um retrocesso.

Por isso é importante questionar, criticar, buscar entender. Eu acredito que um/a tracer ou traceuse é alguém que está em constante busca de entender o significado de sua disciplina.

Pra onde estamos caminhando?
O que você pensa? O que você treina?

O que você vive?

Só pra finalizar o texto, um vídeo que me chamou atenção esses dias..

Ps: “Então Parkour é tudo? Sem definições Parkour não seria nada?”

Galerinha, a vida não é 8 ou 80, tudo ou nada, não estou dizendo que parkour é qualquer coisa ou que não há nada que possa se identificar como parkour, tudo depende das conexões que fazemos, de nossos embasamentos, de onde estamos nos baseando. A questão é só não cair no determinismo e na unicidade.

Ps¹: Com isso não estou dizendo que é uma carta branca pra o “ah, então foda-se, minha opinião é essa e acabou.” Esse é outro comportamento muito nocivo, que é na frequente na comunidade. Há um bloqueio com as críticas e a pessoa se fecha apenas pra opinião pessoal dela e pra quem concorda com ela. Além de ser limitante, é infantil. É fechar as portas e tornar o parkour um dogma.

Ps²: É meio chato tem que ficar fazendo essas ponderações, mas veja bem, na minha visão o problema não está em expressar ou construir um conceito do parkour, seja ele pessoal ou acadêmico (é na verdade importante que isso aconteça para que possamos “clarear” o que tem acontecido e suas consequências, ou entender a prática dentro de determinamos contextos), mas em colocá-lo como único, imutável e exclusivista, em que anula outras visões. Eu mesmo por aqui devo ter usado “parkour é”, mas não usei o “parkour APENAS é / se resume há/ não é x”.

Ps³: Desconheço que qualquer um dos yamakasi tenham expressado em algum momento que o parkour se define exclusivamente dessa forma, ou dessa outra. Isso não significa óbvio que eles concordem com tudo, há tendências em comum e algumas divergências, mas nunca vi nenhum deles apontar apenas uma visão, ou se colocar como proprietários ou guiadores de nada.


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